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"Luiz Carlos Prestes entrou vivo
no Panteon da História.  
Os séculos cantarão a 'canção de gesta'
dos mil e quinhentos homens da
Coluna Prestes e sua marcha de quase
três anos através do Brasil.
Um Carlos Prestes nos é sagrado.
Ele pertence a toda a humanidade.
Quem o atinge, atinge-a."

(Romain Roland, 1936)


Termina o jogo
Escrito por Ángeles Maestro   

A tragicomédia representada pelo Syriza neste Verão de 2015 teve a virtude de deixar claro perante grandes sectores da população as chaves do momento político que caracterizam as sociedades de uma boa parte dos países da Europa e da América Latina. Tornaram-se evidentes pontos de ruptura que até este momento só eram percebidos por minorias com capacidade de influência muito limitada. 

As políticas imperialistas no quadro de uma gravíssima crise geral do capitalismo não têm nenhuma margem de manobra para acções sociais que melhorem – ainda que minimamente – as condições de vida das suas populações. 

No âmbito da UE e do Euro é impossível qualquer outro tipo de políticas que não seja o aprofundamento das medidas de austeridade. A capitulação absoluta do Syriza marca a derrocada dos seus imitadores da "esquerda radical" ou da "nova esquerda".

Definitivamente, surge em primeiro plano do palco a demonstração palpável de que não há democracia. Em consequência, ainda que passe algum tempo para que esta certeza se transforme em consciência política, abre passagem a convicção de que a via eleitoral não conduz a alguma mudança real e perdurável nas condições de vida. Não há caminhos intermédios: ou submeter-se à ditadura do capital, ou preparar-se para uma confrontação dura e sustentada destinada a destruir as bases do sistema. 

O mito da volta ao "Estado de Bem-Estar" e da "Europa Social" [1] – mais falso que um trapaceiro da rua Sierpes – durante décadas foi sem rubor utilizado como isco por todo tipo de reformismo, desde os velhos sociais-democratas até os radicais modernos, passando pelos grandes sindicados do sistema. O objectivo era prestar o enésimo serviço à burguesia no sentido de desactivar o conflito social e, sobretudo, evitar que a classe operária identificasse seus inimigo e, em consequência, suas tarefas iniludíveis. Sua última e agonizante edição por estas plagas foram as chamadas Euromarchas, versão camuflada da Cumbre Social e do Podemos para, fazendo-se passar pelas Marchas de la Dignidad, oferecer um palco aos líderes "velhos" e "novos" do mesmo reformismo. 

Essa máscara, que demorou décadas a cair, ruiu na Grécia em sete meses e desactiva-se a passos agigantados no Estado espanhol, mostrando que lhes faltam as condições indispensáveis para serem instrumentos úteis a fim de resolver os gravíssimos problemas do povo trabalhador. 

A enorme crise do capitalismo obriga-o a mostrar sua cara mais brutal. E manifesta-se tanto no saqueio e na destruição de países da periferia (ainda que, como demonstra a Ucrânia e demonstrou a Jugoslávia, o fogo esteja cada vez mais perto do centro), como na liquidação de políticas sócio-laborais nos países nucleares do sistema e que lhe permitiram em outros tempos cercar-se de um certo colchão legitimador. Agora já não há nem sequer migalhas com as quais lubrificar a colaboração de classe. 

E na Europa a representação política do imperialismo é a UE e, muito especialmente, toda a estrutura de andaimes institucionais da Eurozona. Seu brutal aparelho de dominação, espezinhando qualquer ilusão de democracia ou de soberania, foi o que se revelou na Grécia perante todos os holofotes do palco e é o mesmo que governa com mão de ferro todos os países do Euro. 

Red Roja foi praticamente a única organização política que analisou em pormenor – há mais de dois anos – os infernais mecanismos legais que concretizam o controle férreo por parte da Troika da despesa de todos os governos (municipais, autonómicos, estatal e da Segurança Social) para os objectivos do défice e de redução da divida, em todos os estados que integram a Eurozona. O Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação da União Económica e Monetária de 2012 e a Lei Orgânica que o aplica no Estado espanhol [2] são e serão – para qualquer hipotético governo "de esquerdas" que possa surgir das eleições gerais – as mesmas couraças de ferro que se impuseram ao Syriza. Tanto o PP, como o PSOE, como todas as direitas nacionalistas os apoiaram com o seu voto. E os que não o fizeram, como a IU e o Podemos, carecem de credibilidade se propõem políticas anti-cortes sem confrontar esse quadro institucional e legislativo. 

Esta realidade incontestável varreu de uma vez as políticas ilusionistas do Syriza e dos muitos "syrizos" locais que propunham "convencer" a oligarquia financeira a que pusesse fim aos memorandos alegando as necessidades peremptórias do povo grego, o respeito à sua soberania e à democracia para assim, de dentro, reformar a UE e recuperar a "Europa Social". 

A realidade é que o governo do Syriza ou era composto por uma pandilha de iludidos ignorantes (apesar de seus governos estarem praguejados de ilustres professores universitários, tal como os seus imitadores daqui) ou mentiam como velhacos acreditando nas suas próprias mentiras. 

É um escárnio e um insulto ao seu povo que se alegue a traição à sua boa fé depois das centenas de exemplos históricos que mostram com rios de sangue que o capitalismo, e ainda mais em tempos de crise, não conhece outros limites senão os da força popular que seja capaz de se lhe opor. 

O que interessa saber à classe operária e aos povos da Europa é que o que prometia o Syriza e o que defendem todas as forças políticas integradas no Partido da Esquerda Europeia (PEE) – dentre elas Die Linke (Alemanha), Frente de Esquerda (França), Bloco de Esquerda (Portugal) e no Estado espanhol pelo Podemos, Partido Comunista da Espanha, IU e Esquerra Unida e Alternativa – é materialmente impossível. Todos eles arrastam o povo para o beco sem saída da reforma da UE e da "Europa Social". 

O problema do Syriza e de todos eles é que enganam o povo fazendo-lhe crer que há democracia e que os povos são soberanos, que através das eleições podem ser resolvidos seus problemas. Primeiro derrotam o povo, debilitam-no, enlameiam-no com os cantos de sereia eleitorais e ocultam-lhe suas tarefas históricas. Depois adoptam poses trágicas e dizem que não se podia fazer outra coisa porque os representantes da Troika são "anti-democráticos". [3]

O essencial é saber que acaba o jogo. Que a crise acelera os tempos políticos, que as contradições se agudizam e que desaparecem as formas intermédias. Quando se aproximam períodos gélidos da luta de classes é preciso dizer a verdade à classe operária e ao povo trabalhador e convocar e preparar a organização da resistência para uma etapa de confrontação longa e dura. 

O cancelamento unilateral da Dívida, a saída do Euro e da UE, a expropriação da banca e dos grandes monopólios e a saída da NATO são pontos programáticos e de ruptura com a ordem existente incontornáveis. Mas são inalcançáveis se não se apostar em construir a força operária e popular capaz de levá-los a cabo. 

Se nos pomos de joelhos (ou nos arrastamos como Tsipras), Merkel, Lagarde, Junker, etc parecem gigantes. No mais, só através da construção dessa força conseguiremos a melhor garantia para preservar nossos direitos e conquistas. 

As opções reformistas, as mesmas do passado em copo novo, desgastam-se a muito mais velocidade que as originais. Nós que sabemos que temos pela frente um sistema em crise gravíssima, que se nutre da destruição da vida e que administra uma burguesia criminosa, seremos responsáveis se não aprendermos as duras lições da história. 

Urge que multipliquemos nosso empenho para ajudar a que cada vez mais sectores da classe operária e do nosso povo deixem de ser seduzidos pela mesma social-democracia travestida de "radicalidade" e vejam claramente que é irracional esperar alguma mudança positiva mediante opções meramente eleitorais sem força operária e popular organizada que as apoie. E que a única opção razoável e que nos pressiona é preparar-nos, com todas as consequência, para a incontornável tarefa de destruir o capitalismo e construir o socialismo.

06/Outubro/2015


[1] Red Roja analisou com suficiente rigor o carácter histórico concreto do chamado "Estado de Bem Estar" no quadro de uma correlação de forças favorável à classe operária (existência da URSS, derrota do fascismo por parte do povo em armas), numa etapa de crescimento económico e mediante uma intensificação da pilhagem e da exploração dos povos da periferia do sistema. www.redroja.net...
[2] www.redroja.net...
[3] Declarações de Pablo Iglesias após a aceitação pelo Syriza do terceiro memorando, www.eldiario.es...
[4] "La Maza", Silvio Rodrigues, www.musica.com/letras.asp?letra=59562

O original encontra-se em www.lahaine.org/est_espanol.php/el-juego-se-termina

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