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"Luiz Carlos Prestes entrou vivo
no Panteon da História.  
Os séculos cantarão a 'canção de gesta'
dos mil e quinhentos homens da
Coluna Prestes e sua marcha de quase
três anos através do Brasil.
Um Carlos Prestes nos é sagrado.
Ele pertence a toda a humanidade.
Quem o atinge, atinge-a."

(Romain Roland, 1936)


Entrevista de João Pedro Stedile

Entrevista concedida por JOÃO PEDRO STEDILE/MST à repórter Cynara Menezes da Revista Carta Capital em 17 de outubro de 2009

1.  Como o sr. avalia a ação do MST na fazenda Cutrale? Foi um desastre ou um sucesso?

A Cutrale comprou de um grileiro uma área que pertence à União. Havia um processo do Incra de reintegração de posse na Justiça, que ainda está em julgamento. Há na região mais de 200 mil hectares grilados por empresas, algumas das elites paulistanas. O Incra já recuperou cerca de 20 mil hectares fez assentamentos. Os companheiros de São Paulo ocuparam a fazenda para denunciar e acelerar a resolução dessa situação. A destruição dos pés de laranja foi um erro. Porque isso deu margem para que o serviço de inteligência da PM, articulado com a Globo, se demonizasse o MST. Depois que a Cutrale começou a monopolizar o comércio de laranjas em São Paulo, milhares de pequenos e médios agricultores tiveram que destruir de 1996 a 2006 cerca de 280 mil hectares de laranjais no estado. Mas a Globo e o helicóptero da PM não se importaram. Quanto às imagens de depredação e furto, é mentira! As famílias não fizeram nada daquilo. Foi uma armação entre a Policia e Cutrale depois da saída das famílias. Em seguida, chamaram a imprensa. Desafiamos organizarem uma comissão independente para investigar quem desmontou os tratores e quem entrou nas casas dos empregados.

2..O MST fala que não faz parte dos procedimentos do movimento a depredação de patrimônio, mas há três semanas depredou o prédio do INCRA em Porto Alegre... Como isso se explica?

 

Somos contra esse tipo de prática.  E só ocorre quando tem infiltração ou é feito pelos serviços de inteligência. Ou por desespero. Lá em Porto Alegre aconteceu a mesma coisa.  Os ocupantes saíram do prédio e limparam as instalações. Concentraram-se no pátio para fazer uma Assembléia. Nesse período, o serviço de inteligência da Brigada Militar fez o serviço de depredar as salas. Aí chamaram a imprensa. Chegaram a roubar um caderno de um militante, com anotações pessoais e depois entregaram para Zero Hora. A Brigada militar tem uma tradição de infiltração no movimento, que vem desde a Encruzilhada Natalino, reconhecido pelo próprio coronel Cerutti, hoje aposentado, que se orgulha de ter se infiltrado naquele acampamento.

3.   O sr. não acha que, após enterrar uma tentativa de CPI há poucos dias, a ação na Cutrale não aconteceu em um momento no mínimo inconveniente para o movimento?

Os ruralistas e os que são contra a Reforma Agrária manipulariam qualquer atividade que o MST fizesse para tentar ressuscitar a CPI. Tanto é que as imagens foram gravadas pela PM uma semana antes de ir para o ar. Somente utilizaram quando havia um clima político. A CPI está na verdade no centro da disputa entre dois modelos para agricultura. E está sendo utilizada pelos reacionários ruralistas para conturbar o cenário eleitoral. Eles esperam com a CPI constranger o governo e condicionar as próximas candidaturas a não apoiar a Reforma Agrária. O deputado Caiado foi claro quando disse que o objetivo da CPI era impedir que o governo repassasse dinheiro para o MST fazer campanha para Dilma. Essa afirmação seria ridícula se não partisse de mente tão insana, que durante anos organizou a UDR para esparramar a violência no campo, em nome da defesa da propriedade e da tradição.

4.       O Sr. não acha que ações como essa desfavorecem a imagem do MST?

As manipulações que são feitas pelas televisões e grandes jornais claro que afetam a imagem do Movimento.  E é justamente esse o objetivo deles: tentar desmoralizar os que lutam por mudanças sociais e pela Reforma Agrária.  Eles usam a imprensa para manter seus privilégios, manter a concentração da propriedade e o atual status quo.  Não é por nada que, embora o Brasil seja a 9ª economia do mundo em produção de riquezas, está em 75º lugar em indicadores de condições de vida da população. É a 7ª pior sociedade em desigualdade social. Esse é o papel de uma imprensa também concentrada em sete grupos. Eles sabem que, para uma sociedade ser democrática, é necessário democratizar a terra, os meios de comunicação e o Poder Judiciário. Por isso, nos atacam tanto, assim como atacam todos que fizeram e fazem luta social no Brasil.

5.      Quem apóia o MST hoje? Me parece que o movimento está com pouco suporte na sociedade atualmente, não?

O MST tem um amplo apoio dos trabalhadores e da imensa maioria da população brasileira.   Tem apoio da intelectualidade esclarecida e das igrejas.  Acabam de fazer um manifesto com mais de 3 mil personalidades, juristas e intelectuais em nosso apoio. A mídia e os 5% mais ricos nos odeiam. Mas isso é natural, faz parte do seu poder.

6.     Quantas famílias de acampados ainda há no país?

Há em torno de 100 mil famílias acampadas em todo o país. Algumas há mais de seis anos, como essas que ocuparam a Cutrale.

7.        O MST teme uma CPI ou não há o que esconder?

O MST não teme a CPI. Mas estranhamos tanta perseguição contra nós. Depois que o Lula chegou ao governo, já fizeram duas CPIs que nos investigaram. E nada comprovaram. Por que não fazem uma CPI para analisar os mais de R$ 200 milhões recebidos, por exemplo, pela entidade Alfabetização Solidária dos tucanos? Por que não fazem uma CPI para ver aonde foi R$ 1 bilhão que as entidades patronais dos latifundiários receberam nos últimos anos. Por que não analisam como são gastas as verbas publicitárias dos governos estaduais? Por que não fazem CPI para analisar as causas dos verdadeiros problemas do povo, como a violência nas cidades, a falta de escola, o baixo nível do ensino, o déficit de 10 milhões de moradias, a falta de emprego, as contas em paraísos fiscais das empresas. Por que não analisam os efeitos perversos da Lei Kandir para os estados produtores primários?

Destruir pé de laranja é crime, atirar em índio, não   Por Leonardo Sakamoto   Sempre defendi neste espaço a ocupação de terras improdutivas, irregulares ou que são usadas para a exploração da dignidade alheia como instrumento de pressão popular. Quem acha que a propriedade privada está acima de qualquer coisa, procure outro blog. Mas em um momento em que coiotes no Congresso Nacional tentam criar uma CPI contra o MST para, entre outros objetivos, barrar a atualização dos índices de produtividade (o que faria com que as terras usadas para especulação fossem desapropriadas, tendo uma melhor destinação) dar munição aos conservadores da imprensa e aos caninos-congressistas soa fora de hora e desnecessário.

Porque quem tem acesso à opinião pública não vai ficar preocupado em se debruçar sobre os crimes cometidos pela empresa em questão e sim em colocar na mesa mais uma justificativa, ainda que infundada, para criticar a luta pela reforma agrária. As imagens dos pés de laranja derrubados têm ecoado na mídia da mesma forma que as mudas de eucalipto retiradas em uma ação do MST, anos atrás, no Rio Grande do Sul. Por mais que as presenças de ambas as plantações sejam irregulares, é difícil explicar para a maioria da população que a laranja, que é comida, teve culpa na história.

Agora, considerado isso, o ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) e o presidente do Incra, Rolf Hackbart, se disseram chocados com a ?grotesca? e ?injustificável? ação. Não me lembro dos dois funcionários públicos usarem os mesmos termos para tratar da situação dos guaranis kaiowás no Mato Grosso do Sul, que no último mês sofreram ataques, tiveram acampamentos incendiados e foram baleados por proprietários rurais e seus capangas na região ? mais um capítulo de uma longa história de negação de direitos. O mais interessante é que o próprio Incra considera a terra grilada, luta na justiça para recuperá-la e ninguém fala nada.

Dois pesos, duas medidas. Comportamento este também compartilhado por parte da imprensa. Destruir pés de laranja é crime inafiançavel, atirar em índio, não. De repente dá até medalha.

Última atualização em Qua, 21 de Outubro de 2009 01:41