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"Luiz Carlos Prestes entrou vivo
no Panteon da História.  
Os séculos cantarão a 'canção de gesta'
dos mil e quinhentos homens da
Coluna Prestes e sua marcha de quase
três anos através do Brasil.
Um Carlos Prestes nos é sagrado.
Ele pertence a toda a humanidade.
Quem o atinge, atinge-a."

(Romain Roland, 1936)


Chávez é um inimigo da liberdade de imprensa?

Breno Altman

As punições recentemente adotadas contra a RCTVI (Rede Caracas de
Televisão Internacional) e outros cinco canais a cabo suscitaram forte
onda acusatória contra o presidente venezuelano. Um aluvião de artigos
e editoriais foi lançado a público para acoimá-lo como inimigo da
liberdade de imprensa.

A mídia conservadora, como é de seu feitio, embaralha as informações
para melhor articular sua escalada contra Chávez. Os motivos que
levaram às medidas punitivas são omitidos ou manipulados. O vale-tudo
não tem compromisso com a verdade.
Os seis canais suspensos violaram seguidamente vários dispositivos
legais (obrigatoriedade de transmitir redes oficiais, programas
educacionais, símbolos nacionais, classificação etária e assim por
diante). Três entre esses reconheceram as irregularidades e se
comprometeram a retificá-las: voltaram imediatamente ao ar. Os demais
têm a mesma possibilidade. Nenhum canal foi fechado ou desapropriado.

Até mesmo alguns setores progressistas, porém, ficaram abalados com
esses fatos. Muitas pessoas de bem, afinal, reagem como se o tema da
liberdade de imprensa fosse sagrado. Desses sobre os quais só pode
haver uma opinião possível: as demais seriam autoritárias ou, quando
muito, ultrapassadas.

O dogma criado pela plutocracia midiática associa uma robusta bandeira
democrática com a apropriação privada dos meios para realizá-la.
Liberdade de imprensa, para esses senhores e senhoras, é o direito
ilimitado dos proprietários de veículos de comunicação em usufruir a
bel-prazer de seus ativos de informação e entretenimento. Qualquer
contestação ou regulação dessa franquia quase divina constituiria uma
ameaça à democracia.

Mas o que há de democrático na transformação de um bem público (o
direito de informar e ser informado) em monopólio de corporações
privadas, famílias ou indivíduos? Qual é a liberdade possível quando
os instrumentos de comunicação e cultura têm seu controle originado no
poder econômico?

A revolução técnico-científica das últimas décadas fez da informação e
seus meios um poder fático. Sua expansão foi patrocinada por governos
e grupos empresariais, cuja associação direta ou indireta com os donos
dos veículos alavancou esse baronato a um papel político, cultural e
econômico de ampla envergadura.

Basta um olhar ligeiro sobre a América do Sul para termos noção desse
processo. Quase todas as empresas relevantes de comunicação foram
criadas ou fortalecidas pelas ditaduras e seus sócios capitalistas. Os
casos Clarín e Globo, mais conhecidos, estão longe de ser exceção. Na
Venezuela a história não foi diferente.

A democratização do subcontinente, no entanto, jamais chegou aos meios
de comunicação. Está certo que acabou a censura, mas os barões da
mídia só viram sua influência e autonomia crescerem. A liberdade
formal de qualquer grupo social ou indivíduo em criar seu próprio
veículo foi implantada, de fato, mas a possibilidade econômica de
exercer essa prerrogativa continuou nas mesmas e poucas mãos.

Os interesses nessa autonomia, no mais, vão além dos proprietários dos
meios, abençoados pelas condições institucionais de difundir
livremente os valores, idéias e informações que melhor lhes apetecer
para a lucratividade de seu negócio.

Seu estatuto especial, o de único poder público de caráter privado,
permitiu a plena realização do diagnóstico anunciado pelo pensador
italiano Antonio Gramsci, há mais de setenta anos, quando afirmou que
os jornais haviam se transformado nos ?modernos partidos políticos da
burguesia?.

Os meios monopolistas de comunicação podem se exibir como neutros,
objetivos ou isentos, com verniz de interesse universal que nenhuma
agremiação conservadora teria como apresentar aos eleitores. Chegam à
desfaçatez de alcunhar o que editam ou difundem de ?opinião pública?,
como se a sociedade tivesse delegado a esse setor social uma
procuração para falar em seu nome.

Mas não se trata apenas de aparência. Através dos meios um exército
profissional de colunistas, jornalistas e produtores de
entretenimento, entre outros, pode ser integralmente mobilizado para
construir os valores e as informações que correspondem aos interesses
de seus patrões e associados. Esses veículos cumprem a tarefa de
articular o discurso e a base social das elites ao redor das quais
gravitam.

Sua atividade, ao contrário das demais funções públicas, incluindo os
partidos políticos, não está subordinada a qualquer mecanismo
eleitoral, controle social ou fiscalização institucional, ainda que os
meios audiovisuais ? a ponta de lança do sistema comunicacional ?
operem quase sempre a partir de uma concessão do Estado.

O que esse baronato chama de ?liberdade de imprensa? é de um cinismo
exemplar. Trata-se apenas da sua liberdade de imprimir, difundir e
entreter, às custas da negação prática desse direito a imensos grupos
sociais, que não possuem os instrumentos institucionais e as
possibilidades financeiras de levar a público sua própria voz.

A eleição de governos progressistas na América Latina criou a chance
dessa situação antidemocrática ser superada ou, ao menos, amenizada. A
presidente Cristina Kischner, na Argentina, conseguiu a aprovação de
uma nova lei para os meios audiovisuais. O boliviano Evo Morales segue
pelo mesmo caminho. O líder venezuelano, atropelado em 2002 por um
golpe de estado urdido e animado pelos grandes meios de comunicação,
foi quem primeiro ousou agarrar o touro pelos chifres.

Nenhum desses governantes propôs que fosse estabelecida alguma espécie
de censura ou impedimento para a circulação de idéias. Ao contrário:
suas iniciativas buscam restringir o peso dos monopólios, abrindo
espaços para novos atores e regulamentando uma atividade tão
estratégica para a sociedade.

Trata-se, aliás, de uma abordagem comum à maioria dos países
democráticos, nos quais existem leis que limitam esses monopólios,
asseguram produção nacional e programação educacional, estabelecem
cláusula de consciência para os jornalistas, abrem espaço para os
movimentos sociais e sindicais.

Mas a reação do baronato venezuelano, no caso específico, não se fez
por esperar. Vários dos proprietários desses meios simplesmente se
recusam a obedecer legislação proposta por um governo eleito pelo povo
e aprovada por um parlamento legítimo. As punições que receberam foram
a conta justa, e bastante moderada, para quem insiste em andar fora da
lei, costume inconcebível em uma democracia.

Os monopólios estão sendo regulamentados, como é adequado a qualquer
serviço público, sob o risco de perderem a concessão que receberam
caso persistam em atitudes antidemocráticas. Poderiam ter sido
cassados há oito anos, quando foram protagonistas da intentona
golpista, mas lhes foi conferida a oportunidade de revisarem suas
opções.

Os venezuelanos têm hoje um cardápio de jornais, revistas e meios
audiovisuais mais amplo e plural que em qualquer momento de sua
história. Muitas organizações sociais e comunidades tiveram apoio
governamental para romper a ditadura do poder econômico e criar as
condições materiais para o surgimento de novos veículos.

Além de manter abertas as portas da imprensa oposicionista, apesar de
suas recorrentes violações constitucionais, o governo Chávez deu vida
a uma importante rede de rádios comunitárias, facilitou a criação de
novos canais de televisão, direcionou a publicidade estatal para
jornais e revistas independentes. Não é pouca coisa.

O presidente venezuelano, de fato, não se revela amigo da mesma
liberdade de imprensa apregoada pela plutocracia midiática. Presta
serviço às idéias democráticas, no entanto, ao identificar no
monopólio privado e desregulamentado da comunicação o maior obstáculo
para o direito de informar e ser informado.


Breno Altman é jornalista e diretor do sitio Opera Mundi (www.operamundi.com.br)

Última atualização em Ter, 23 de Fevereiro de 2010 00:36