:: ODiario.info :: http://www.odiario.info :: Carlos Aznárez
Enquanto o governo de Sebastián Piñera se encontra em queda livre em termos de aceitação pública (num ano passou de 47% a 26%, e nem sequer tirou proveito do aniversário do badalado resgate dos mineiros), os seus ministros ligados à área da Educação parecem não encontrar outra via que não seja a repressão para acalmar as manifestações estudantis que têm mobilizado multidões. De facto, nos dias que passam, os estudantes dos ensinos secundário e universitário de todo o país, juntamente com professores e pais e um número considerável de trabalhadores em luta cumprem uma greve nacional e voltam a apossar-se das amplas avenidas de Santiago para mostrar que o movimento que reivindica uma educação mais voltada para a inclusão do que para o lucro está de boa saúde.
A vaga de protesto estudantil – que já conta mais de 60 dias de greve e que mantém a ocupação de numerosas escolas secundárias – já derrubou um ministro emblemático da direita, como era o caso de Joaquín Lavín, e empurra agora contra as cordas o seu sucessor, Felipe Bulnes. Mais ainda: o movimento gerou, em pouco tempo, um clima generalizado de levantamento contra a política de Piñera. Este ex-empresário da companhia aérea LAN Chile, que chegou à Casa de la Moneda graças aos fracassos sucessivos da “Concertación”, pretendeu, numa primeira fase, ignorar as reivindicações estudantis e, ao constatar que esta táctica não resultava, inventou um “grande acordo social” que tentava superficialmente acolher alguns dos pontos apresentados pelos grevistas. A iniciativa capotou de imediato face ao repúdio por parte de toda a comunidade educativa. Perante esta situação, e ignorando em seguida a contraproposta apresentada pelos estudantes, que assumia igualmente “um grande acordo social”, Piñera depositou a tarefa de resolver o conflito nas mãos dos carabineiros do Chile. Uma instituição que representa, desde o tempo de Pinochet, o símbolo da violência estatal e que, tendo-lhe sido concedida luz verde, arremeteu sobre a multidão estudantil à paulada e com gás. Em apenas duas semanas os calabouços chilenos receberam perto de um milhar de detidos, e este número ameaça continuar a aumentar nos próximos dias. Entretanto, este processo que nasceu em nome da reivindicação de uma educação pública gratuita e de qualidade, que o governo da “Concertación” não foi capaz de resolver (mas em que aplicou aos jovens da escola secundária a mesma receita repressiva), tornou-se gora um gigantesco movimento que põe em causa toda a estrutura do sistema. Tal como diz Camila Vallejo, a principal dirigente da Confederação de Estudantes do Chile: “cansámo-nos de tanto menosprezo, e não apenas nós mas todo o povo, decidimos não nos deter até ser alcançada uma mudança total nestas anquilosadas estruturas de continuidade do pós-pinochetismo”. Na passada sexta-feira Vallejo foi ameaçada de morte por uma ultra-direitista funcionária do Ministério da Cultura. Trata-se de Tatiana Acuña Selles, que não teve pejo em inspirar-se no ditador Pinochet, afirmando: “Mata-se a cadela e acaba-se com a ninhada”. Mas nem as ameaças nem a repressão fizeram mossa no estado de espírito da revolta estudantil. Por isso não surpreende que, para além de conquistar as ruas, elevaram a fasquia e repudiam – como fazem os “indignados” espanhóis – os partidos e a política tradicional, e investem, com uma criativa imaginação que não se via no Chile desde o tempo de Salvador Allende, contra a burocracia e a corrupção estatais. Pela voz dos seus principais porta-vozes – como a própria Camila ou os seus pares Paloma Muñoz e Freddy Fuentes, da Federação Metropolitana de Estudantes Secundários – estão a assumir que estão empenhados, nem mais nem menos, em atacar as raízes “do capitalismo selvagem que vimos suportando desde a ditadura até ao presente”. E vão inclusivamente mais além, falando da necessidade de acabar com a Constituição pinochetista e de convocar uma Assembleia Constituinte que envolva todos aqueles cuja opinião nunca foi ouvida. Assumindo-se como a ponta de um icebergue que até agora se mantivera - tal como grande parte do povo chileno – em atitude passiva, estão a gerar, com as suas marchas animadas e alegres que recordam o Maio francês de 68, um clima generalizado de subida da auto-estima em todos os outros sectores da população que acorrem às ruas para os apoiar. Por outro lado, a Piñera não faltam conflitos, e é por isso que os mineiros do cobre se juntaram ao apoio à maré estudantil, reivindicando melhores salários e o fim da perseguição aos sindicatos, e o mesmo fizeram os ambientalistas que lutam contra o polémico e controverso projecto HidroAysén que inclui a devastadora construção de cinco centrais hidroeléctricas na Patagónia chilena. E igualmente manifestaram as suas reclamações os mapuches, que há poucas horas foram atacados à bala pelos carabineiros na região de Ercilla, na comuna Temucuicui e, por último, também saíram à rua os moradores chilenos das Callampas (povoados informais, semelhantes aos nossos bairros da lata), juntando às reivindicações dos seus filhos estudantes as suas reivindicações específicas à habitação e ao trabalho digno. Este cenário complexo de protestos depositou de forma quase natural a direcção nos quadros estudantis, uns “cabros chicos” (jovens valentes) como se diz no Chile, que contam hoje com a simpatia de 80% da população, que vê neles indivíduos não contaminados pela política tradicional que não hesitam em exprimir em voz alta as reivindicações do resto dos cidadãos. Outro aspecto muito singular deste fenómeno mobilizador é o facto de que nenhuma partido de esquerda possa atribuir-se – sem cair no risco de ser desmentido pelos próprios estudantes – a paternidade desta vaga de descontentamento. Mesmo os movomentos de esquerda extra-parlamentar tiveram que reconhecer que, ao contrário de outras situações não muito distantes, os seus grupos decidiram participar, mas como “acompanhantes” da movimentação estudantil, e deixar que a condução das manifestações seja assumida por esses protagonistas adolescentes e jovens. O governo, entretanto, continua sem encontrar saída que lhe permita suster o desprestígio. De facto deixou claro nas últimas horas, através do seu porta-voz Andrés Chadwick, que não cederá à pressão para negociar “enquanto prosseguirem as mobilizações de rua”. Em nome de todos os mobilizados deu-lhe resposta Camila Vallejo, que não hesitou em aconselhar o governo, “antes que seja demasiado tarde”, a que “olhe à sua volta e constate que, por fim, já não os tememos”.
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