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"Luiz Carlos Prestes entrou vivo
no Panteon da História.  
Os séculos cantarão a 'canção de gesta'
dos mil e quinhentos homens da
Coluna Prestes e sua marcha de quase
três anos através do Brasil.
Um Carlos Prestes nos é sagrado.
Ele pertence a toda a humanidade.
Quem o atinge, atinge-a."

(Romain Roland, 1936)


Entrevista com Michael Nolan: "Os fazendeiros irão cumprir a ordem judicial?"

“O leilão teve duas finalidades: a primeira foi arrecadar dinheiro, e a segunda foi chamar a atenção para o conflito entre fazendeiros e indígenas”, aponta a advogada

12/12/2013


Do IHU-Online

O Leilão da Resistência realizado por fazendeiros sul-mato-grossenses, com o objetivo inicial de arrecadar dinheiro para contratar segurança privada e impedir a ocupação das fazendas pelos Guarani, acabou sendo interpretado como uma “vitória” das comunidades indígenas, avalia Michael Mary Nolan, advogada que acompanha as reivindicações dos índios no Brasil.

Segundo ela, as comunidades indígenas não conseguiram impedir a realização do leilão, mas garantiram que ele fosse realizado a partir do cumprimento de algumas condicionantes. “Para os indígenas, isso é uma vitória, porque eles mostraram uma força maior ao tomar uma posição ativa, em vez de somente reagir aos ataques”, assinala, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.

Michael Nolan esclarece que, segundo determinação da Justiça, os 640,5 mil reais arrecadados no leilão devem ser depositados em juízo e o valor só poderá ser utilizado com a aprovação dos índios e do Ministério Público Federal. Entretanto, questiona: “A primeira pergunta a ser feita é: os fazendeiros irão cumprir a ordem judicial ou não?”.

Michael Mary Nolan, irmã dda Congregação da Santa Cruz, é advogada e atua na área dos direitos humanos. É membro de comissões de direitos humanos nas áreas estadual e nacional e é conselheira em direitos humanos junto ao Congresso Nacional.

Confira a entrevista:

IHU On-Line - Como a senhora descreve o Leilão da Resistência, organizado pelos ruralistas em Mato Grosso do Sul no último final de semana? Qual foi o objetivo do leilão e como ele aconteceu?

Michael Mary Nolan – O leilão foi organizado pelos fazendeiros do Mato Grosso do Sul com o intuito de ganhar dinheiro para contratar empresas de segurança. Algumas pessoas até falaram que o dinheiro arrecadado no leilão serviria para comprar armas. Os fazendeiros realizaram o leilão com a alegação de que o governo não está fazendo nada para resolver o conflito com os indígenas.

Na minha avaliação, o leilão teve duas finalidades: a primeira foi arrecadar dinheiro, e a segunda foi chamar a atenção para o conflito entre fazendeiros e indígenas e mostrar força no sentido de demonstrar o número de pessoas que estão reunidas participando desse leilão.

A contratação de seguranças privados tem sido um hábito dos fazendeiros de Mato Grosso do Sul. Dizem que eles são contratados para fazer a segurança das fazendas, mas acabam matando muitos índios.

IHU On-Line - Como a população sul-mato-grossense reagiu ao leilão?

Michael Mary Nolan – As matérias dos jornais informam que mais de mil pessoas estiveram presentes no dia do leilão, mas acho que o número é um exagero. De todo modo, participaram do evento diversos políticos, como [a senadora] Katia Abreu e [o deputado federal] Ronaldo Caiado, da bancada ruralista.

IHU On-Line - Qual a repercussão entre os indígenas?

Michael Mary Nolan – Assim que souberam do leilão, os indígenas entraram com um processo em nome do Conselho do Povo Terena e dos Guarani Kaiowa, solicitando a suspensão do leilão, porque, segundo informações dos jornais, os fazendeiros estavam pensando em formar uma milícia contra os indígenas, e isso é ilegal. A juíza concedeu uma liminar e suspendeu o leilão, mas os fazendeiros fizeram uma manobra e conseguiram realizá-lo a partir da concessão de outro juiz.

Assim, o leilão foi realizado com algumas condicionantes: os fazendeiros que receberam a oferta mais alta deveriam ter seu nome e o valor da oferta anotados e entregues ao juiz, o dinheiro deveria ser depositado em uma conta bancária em juízo, e esse dinheiro só poderia ser utilizado com a aprovação dos índios e do Ministério Público Federal. Como leiloeiro responsável, o presidente da entidade que estava patrocinando o leilão assinou o compromisso de entregar essas informações ao juiz e depositar o dinheiro em juízo.

Para os indígenas, isso é uma vitória, porque eles mostraram uma força maior ao tomar uma posição ativa, em vez de somente reagir aos ataques. E, nesse momento, o dinheiro não está disponível para a finalidade com que foi realizado o leilão.

IHU On-Line - O leilão arrecadou 640,5 mil reais com a venda de lotes de gado e cereais. O que será feito com esse dinheiro?

Michael Mary Nolan – A primeira pergunta a ser feita é a seguinte: os fazendeiros irão cumprir a ordem judicial ou não? Nós temos de ficar de olho. Depois do leilão foi publicada uma notícia informando que o dinheiro seria utilizado para pagar as viagens dos fazendeiros a Brasília para fazerem manifestações na Câmara dos Deputados. Agora, se isso é verdade, não temos como saber. Pedimos para os advogados que estão no Mato Grosso do Sul acompanharem o processo no Fórum, para ver se realmente depositaram o dinheiro e como ele será utilizado.

Os indígenas estão decididos a continuarem lutando por suas terras. É óbvio que os fazendeiros podem responder. Mas o fato é que o governo está omisso e não tem razão para não resolver o conflito.

IHU On-Line – Como o Estado deveria se posicionar nesse caso, uma vez que os indígenas alegam que, tradicionalmente, são donos das terras, e os fazendeiros, por sua vez, dizem que as compraram?

Michael Mary Nolan – No Mato Grosso do Sul, muitos desses fazendeiros têm títulos que foram concedidos pelo Estado brasileiro. Entendo que essas pessoas têm direito a uma indenização. Já existe uma verba no orçamento daUnião para pagar as indenizações aos fazendeiros. Ou seja, já foi criado um fundo no Estado para fazer isso. Temos de entender que existe terra para todo mundo no Brasil. Com certeza muitos fazendeiros, recebendo indenizações, sairiam do conflito.

Por outro lado, muitas pessoas acham que os indígenas já têm terra suficiente. Acontece que a relação do índio com a terra não é econômica, e sim espiritual. As terras que eles estão reivindicando são as terras em que seus ancestrais estão enterrados; onde eles podem fazer seus sítios e onde o mundo deles está unido. Quando estão fora da terra de seus ancestrais, sentem que seu mundo está quebrado. Essa é uma das razões pelas quais há tanto suicídio entre os indígenas, porque, sem a terra, eles não estão com uma vida plena.

IHU On-Line – Qual é a situação desse Fundo criado pela União para indenizar os fazendeiros?

Michael Mary Nolan – Participei de um debate na Câmara, e na ocasião um advogado disse que o dinheiro já está disponível, não sendo preciso nenhuma modificação na legislação; ou seja, há uma legislação que permite o pagamento das indenizações. Basta que o governo tenha vontade de fazer.

IHU On-Line - Qual foi a postura da Funai diante deste leilão?

Michael Mary NolanNão vi nenhuma declaração da Funai em relação ao Leilão da Resistência. De todo modo, a presidente da Funai tem se posicionado ao lado dos indígenas, tem questionado a sugestão da portaria do Ministério da Justiça de acabar de vez com a possibilidade de reconhecimento das terras indígenas.

IHU On-Line - Como a senhora avalia a proposta de alterar o modelo de demarcação das terras indígenas?

 

Michael Mary Nolan – A Constituição brasileira reconhece que o Brasil é um país pluricultural. É uma Constituiçãoque, por causa das lutas dos índios, deixou para trás a ideia de que o indígena, uma vez inculturado, deixa de ser indígena. Tem uma base legal que permite reconhecer as diferenças étnicas que existem neste país e é isso que não está sendo respeitado, em vista da opção por um sistema econômico desenvolvimentista.

Os índios não são contra o progresso, mas querem um progresso que permita e respeite sua cultura também. Para resolver esses conflitos é preciso sentar e conversar, é preciso vontade de um diálogo profundo, de reconhecer que este é um país pluricultural. Não são somente os indígenas que estão com problema; todas as populações tradicionais vivem o mesmo dilema.

Foto: Valter-Campanato/Abr