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"Luiz Carlos Prestes entrou vivo
no Panteon da História.  
Os séculos cantarão a 'canção de gesta'
dos mil e quinhentos homens da
Coluna Prestes e sua marcha de quase
três anos através do Brasil.
Um Carlos Prestes nos é sagrado.
Ele pertence a toda a humanidade.
Quem o atinge, atinge-a."

(Romain Roland, 1936)


Eleições em Espanha: mais as vozes que as nozes

Este artigo foi escrito logo a seguir às eleições espanholas de domingo passado. Não poderia constituir, assim, o balanço aprofundado desse processo eleitoral, e muito menos das incertas perspectivas abertas pelos seus resultados, que provavelmente tardarão bastante tempo ainda a clarificar. Mas identifica mistificações e manipulações que têm importante significado, como a promoção mediática de uma falso bipartidismo transformado em quadripartidismo, forma de gerar alternativas ilusórias e de assegurar a continuidade do sistema.

 

 

Nunca nestes 40 anos de monarquia parlamentar os meios de comunicação desempenharam um papel tão determinante no processo eleitoral.Condicionaram – até ao extremo de ignorar candidatos, coligações, formações políticas e de invisibilizar opções – para favorecer uma imagem manipulada e interessada dos que disputavam entre si ser alternativa de governo. Neste sentido nenhum deles constitui uma ameaça para o sistema. Os quatro estão de acordo no fundamental e gozam, independentemente da estridência dos discursos, do beneplácito dos empresários, da banca e das instituições europeias.

Para memória futura: no prazo de um ano de vida Podemos passou de promover o sim ao rendimento básico, o não pagamento da dívida, a saída do euro, a nacionalização das companhias eléctricas, das telecomunicações, da banca, dos transportes, do sector sanitário, a um não sem paliativos. Já não defende a aposentação aos 60 anos e associa-se à reforma laboral do PSOE e do PP.

Da mesma forma, do não à NATO passa a um sim. Igualmente, de rejeitar as empresas de trabalho temporário a reconhecer o seu valor. E em política internacional a sua transformação não foi menor. Não é de estranhar que o presidente da Câmara de Comercio e a presidente do conselho de administração do Santander sublinhem que não há razões para temer o Podemos. Agora eles mesmos passaram a definir-se como novos social-democratas, continuadores do trabalho progressista dos primeiros governos de Felipe González e Rodríguez Zapatero.

Numa outra ordem de coisas, também não havíamos assistido a uma tal mentira construída para tornar credível um discurso falacioso e maniqueu: apresentar a realidade política de Espanha como um sistema bipartidário, imperfeito, mas ao fim e ao cabo bipartidário. Em Espanha nunca existiu tal situação; questão diferente é a existência de partidos hegemónicos, Partido Popular e Partido Socialista. Ambas organizações, em momentos determinados, conseguiram a maioria absoluta, o que lhes permitiu governar sós.

Bipartidismo e partidos hegemónicos não é o mesmo. Enquanto um dos dos partidos gozou de maioria absoluta, aplicou a política do rolo compressor. Assim aprovaram cortes, a guerra do Golfo, privatizações, resgates bancários e concessões de soberania e segurança, sem esquecer as leis mordaça e de restrição das liberdades públicas.

Todavia, quando tal situação não se produziu, Partido Popular e PSOE foram obrigados a pactuar, negociar, chegar a acordos e construir legislaturas abertas e com coligações de conjuntura. Para este fim serviram as minorias vasca, catalã, navarra ou partidos regionais com um ou dois deputados.
A situação que hoje é apresentada como novidade não o é tanto; a diferença assenta na emergência de novos actores que substituem outros ou, melhor dizendo, que expressam novas vontades, que em nada supõem desestabilizar o regime, mas antes o estimulam. É certo que parte dos votos dos partidos hegemónicos foram parar, maioritariamente, aos seus irmãos de sangue: Podemos, no que diz respeito ao PSOE, e Ciudadanos, em relação ao Partido Popular. Neste sentido os dados são eloquentes: com 96.2 por cento dos votos escrutinados, segundo números oficiais do Ministério do Interior, o PP consegue 123 deputados e o PSOE 90. Entre ambos conservam 50 por cento dos votos emitidos, o equivalente a 13 milhões de votos dos 25 milhões que acorreram às urnas (73,6 por cento de participação).

Por outro lado, Ciudadanos alcança 13,9 por cento, 3 milhões e meio de votos, e 40 deputados; Podemos situa-se nos 12,6 por cento dos votos e 42 deputados. Constitui uma manipulação mal-intencionada conceder como seus os deputados eleitos pertencentes às coligações que integra juntamente com movimentos sociais e partidos de esquerda. Anove, na Galiza; Compromis, em Valencia, e Izquierda Unida, Iniciativa, PSUC e independentes, na Catalunha. O que significa não se desconhecer uma percentagem maior para estas forças se fosse possível desagregar os que votaram Podemos dentro das coligações. Por outras palavras, nem todos os deputados eleitos destas listas pertencem a Podemos.

O certo é que o mapa eleitoral se redesenha e se antevê um governo de coligação como resultado da fragmentação do voto. Mas não será viável a quatro componentes. Intui-se uma legislatura instável, ao que há que juntar uma hipotética convocatoria de eleições antecipadas a médio prazo. Salvo surpresas de última hora, acordos tripartidos entre os quatro primeiros mais votados parecem improváveis. Uns e outros manifestaram a sua reticência a Podemos, ao Partido Popular ou a Ciudadanos. Recordemos que o congresso é constituído por 350 deputados, situando-se a maioria para formar governo estável em 176.
A quase desaparição da esquerda política no parlamento, pelo descalabro de Izquierda Unida, acossada por uma campanha espúria apelando ao voto útil para o transferis para Podemos e PSOE, faz-lhe perder 800 mil votos. Ontem, com dois deputados, alcança 3,7 por cento dos votos. Unión Progreso y Democracia (UPD) desaparece. A direita vasca e catalã mantém, com altos e baixos, a sua força. O voto nacionalista concentra-se maioritariamente no PNV, Ezquerra Republicana e na nova direita saída da ruptura de Convergencia e UPD, com o projecto independentista.

Em conclusão, mais as vozes que as nozes. Não haverá crises de regime, governos de esquerda, mudanças constitucionais de grande gabarito ou um questionamento da casta. Agora antevê-se um tempo de espera em que o mais provável será que se verifique uma reestruturação dos dois grandes partidos hegemónicos, sob o olhar atento dos EUA, da Troika e do Ibex 35.

Fonte: La Haine

odiario.info

Última atualização em Dom, 03 de Janeiro de 2016 14:16