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"Luiz Carlos Prestes entrou vivo
no Panteon da História.  
Os séculos cantarão a 'canção de gesta'
dos mil e quinhentos homens da
Coluna Prestes e sua marcha de quase
três anos através do Brasil.
Um Carlos Prestes nos é sagrado.
Ele pertence a toda a humanidade.
Quem o atinge, atinge-a."

(Romain Roland, 1936)


Salvador Allende. O valor da palavra

Quando passa mais um aniversário sobre o golpe fascista de 11 de Setembro de 1973 no Chile, recordamos a figura admirável de Salvador Allende. A sua exemplar dedicação à causa do povo, a sua verticalidade, a sua morte heróica. Mas também as vulnerabilidades de um processo que, amarrando-se às regras da democracia burguesa, facilitou o caminho à conspiração imperialista e à traição golpista. Compreender a tragédia chilena de 1973 e aprender com os seus erros é hoje uma das mais valiosas homenagens que se podem prestar a Salvador Allende.

“As minhas palavras não contêm amargura mas sim decepção. Que elas sejam um castigo moral para aqueles que traíram o seu juramento… Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com a minha vida a lealdade ao povo. Seguramente a radio Magallanes será silenciada e o metal tranquilo da minha voz já não chegará até vós. Não importa. Continuarão a ouvi-la. Sempre estarei junto de vós.”

Salvador Allende, última mensagem, 11 de Setembro de 1973

Era um intelectual completo mas que preferia o activismo político, gostava da vida e dos prazeres mundanos, chamavam-lhe carinhosamente ‘pipi’ porque gostava de vestir muito bem, mas a sua abnegação pelos sectores mais pobres e o seu sentido de justiça era de uma militância sem limites que gostava de viver em factos, simplesmente, sem arrogâncias nem vaidades.

Embora apreciasse o debate político e a argumentação sólida, acreditava muito mais na unidade dos sectores progressistas e de esquerda do que nos sectarismos brilhantes. “Quando eu era jovem, expulsaram-me de um grupo universitário que se chamava Avance”, contava ele próprio nas suas intervenções públicas, “porque diziam que não era suficientemente revolucionário. Eles, os que me expulsaram, fizeram-se latifundiários, expropriámo-los com a reforma agraria, eram proprietários de acções na bolsa, também as nacionalizámos, e a mim os trabalhadores da minha pátria chamam-me companheiro Presidente”.

O seu sentido da honra da palavra dada era extremo, quase medievalmente cavalheiresco. Em mais de uma ocasião desafiou para duelo aqueles que o ofendiam, nenhum se atreveu a aceitar o desafio. Em 1959, o Che Guevara ofereceu-lhe em Havana o segundo exemplar do seu livro “Guerra de guerrilhas” (o primeiro foi para Fidel). O Che, que tinha um carácter idêntico ao de Allende, médico também, e que sabia Allende empenhado na via revolucionária eleitoral para o Chile enquanto ele procurava a via armada, disse-lhe: “sei bem quem é, falemos com confiança”. Com a capacidade que o Che tinha para qualificar as pessoas, escreveu na dedicatória do seu livro: “A Salvador Allende que, por outros meios, procura alcançar o mesmo”.

Essa palavra empenhada com o guerrilheiro heróico levou-o anos depois, em 1968, após a morte do Che, e sendo congressista e Presidente do Senado do Chile, a trasladar pessoalmente em avião os sobreviventes da guerrilha boliviana para lugar seguro, para com a sua própria pessoa elevar o custo político de um atentado que, segundo se dizia, a CIA norte-americana iria efectuar contra os guerrilheiros. Os companheiros do Che juntaram as suas saudações de agradecimento à dedicatória do seu comandante naquele mesmo livro oferecido anos antes.

Essa palavra empenhada valeu-lhe ser o factor mais potente de unidade histórica da esquerda e dos sectores progressistas chilenos, aquilo a que popular e carinhosamente se chamava “a mão cheia” de Allende. Unidade Popular que gerou esse processo revolucionário para o qual ele tinha reclamado carácter inédito, criador, seguindo Bolívar, que admirava publicamente apesar de ser marxista e para incómodo de muitos dos seus companheiros mais ortodoxos. “A via chilena para o socialismo, com empadas e vinho tinto” era a frase com que tinha conseguido apresentar de forma pratica essa revolução por vias democráticas burguesas, eleitorais, para a cual el povo chileno tinha demorado quase um século a formar e acumular os milhares de quadros e organizações que a dinamizavam.

E essa palavra empenhada foi também parte das debilidades desse processo. Por ela, fez concessões, talvez demasiadas, a uma democracia formal que tinha jurado respeitar enquanto outros não a destruíssem, e assim cumpriu. Tal como se havia comprometido, não tomou medidas para armar o povo enquanto a democracia formalmente se manteve, e isso facilitou objectivamente a golpada imperial e dos seus lacaios.

Mas foi a primeiro a pegar em armas e dar a sua vida em defesa dessa democracia e dessa revolução quando os golpistas a esmagaram. Tinha 65 anos de idade e não era soldado mas médico e Presidente.

“Vocês farão aquilo que tanto têm vociferado, eu tenho muito claro o que me cabe fazer”, respondeu a “líderes” esquerdistas conhecidos pelos seus discursos radicais que chegavam transidos de medo a perguntar-lhe que fazer perante o golpe. Aos militares vende pátrias que se apresentaram para lhe oferecer rendição com exilio dourado e argumentos de realismo político, respondeu secamente: “¡O Presidente de Chile não se rende, seus merdas!”

Com o seu já lendário Grupo de Amigos Pessoais – GAP de segurança, uma vintena de indivíduos resolutos armados de decoro e metralhadoras, deteve forças blindadas, de infantaria e aéreas durante quase 5 horas. “Porque o homem da paz era uma fortaleza”, explicou o poeta uruguaio universal Mario Benedetti.

A meio dos combates, com o ar já quase irrespirável e a casa do governo destruída e em chamas, o seu médico pessoal consegue encontra-lo disparando por uma janela e agarra-o pelos pés para o levar para lugar mais seguro. “Solta-me, filho da mãe”, grita-lhe o Presidente, julgando que se tratava de soldados golpistas que tivessem conseguido entrar em La Moneda. Quando o reconhece, diz-lhe com total serenidade: “Não vês, Luchito, que isto era mais grave do que tu julgavas esta manhã”.

Já sem munição para as metralhadoras, Allende despede-se dos seus companheiros sobreviventes e ordena-lhes que se entreguem para não morrerem queimados nas ruinas do edifício, assinalando que já mais do que cumpriram o seu juramento à Pátria.

Ele guarda os últimos tiros para se suicidar e não cair nas mãos dos militares celerados, que despreza, entre os quais Pinochet, que havia apenas algumas semanas lhe jurara lealdade e por quem Allende, sem o saber entre os golpistas, manifesta preocupação e pesar julgando-o entre os caídos em resultado do golpe. A grandeza de um é a medida da baixeza do outro. O que trai o seu povo para defender os interesses dos poderosos. E o que oferece à sua Pátria a luz profética da sua palavra empenhada.

Nas suas últimas palavras profetizou que a sua voz não seria silenciada e que continuaríamos a ouvi-lo, e continua a cumprir-nos com a sua palavra.

 

 

Fonte: odiario.info / Fonte: https://lamula.pe/2015/06/26/salvador-allende-el-valor-de-la-palabra/nuestrabandera/