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Home Artigos Entrevista de Anita Prestes à revista CULT, 30/01/2017


"Luiz Carlos Prestes entrou vivo
no Panteon da História.  
Os séculos cantarão a 'canção de gesta'
dos mil e quinhentos homens da
Coluna Prestes e sua marcha de quase
três anos através do Brasil.
Um Carlos Prestes nos é sagrado.
Ele pertence a toda a humanidade.
Quem o atinge, atinge-a."

(Romain Roland, 1936)


Entrevista de Anita Prestes à revista CULT, 30/01/2017
Escrito por Paulo Henrique Pompermaier   

‘Estamos em uma época de retrocesso muito grande’

Anita Prestes, filha de Olga Benário e Luiz Prestes, se prepara para lançar livro sobre a mãe baseado em 2 mil documentos inéditos da Gestapo. Leia entrevista de Anita Prestes à CULT

A historiadora Anita Leocádia Prestes (Foto: Borges)

Paulo Henrique Pompermaier

 

Personagem histórica retratada no livro-reportagem Olga (1985), do escritor Fernando Morais, Olga Benário Prestes, esposa do revolucionário comunista Luiz Carlos Prestes, vai ganhar, neste ano, novo estudo que pretende esmiuçar seus últimos anos de vida passados em prisões e campos de concentração nazista, até seu assassinato em 1942.

O projeto é uma iniciativa de sua filha, a historiadora Anita Leocádia Prestes. Baseando-se em quase dois mil documentos inéditos da Gestapo, a polícia nazista, a historiadora acaba de finalizar a obra, que será publicada ainda neste ano pela editora Boitempo.

Os documentos, traduzidos do alemão durante cerca de um ano, estavam na Rússia desde que foram confiscados na tomada da Alemanha nazista pelos soviéticos no final da Segunda Guerra Mundial. A documentação foi digitalizada e disponibilizada na internet pouco tempo antes, iniciativa que encorajou Anita Prestes a escrever uma nova obra sobre a vida da mãe.

“Há muita coisa sobre o comportamento dela. São impressionantes os relatos de como ela enfrenta os nazistas. Fica claro como a Gestapo e as altas autoridades nazistas foram explícitas em afirmar que ela não poderia ser liberta de maneira alguma”, afirma a historiadora, que nasceu em 1936 na uma prisão nazista em que Olga estava detida.

Em 2015, a historiadora já havia publicado uma obra sobre o pai, Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro, que só conheceu aos nove anos, quando ele foi foi libertado, em 1945, pela anistia política. “Minha mãe já tinha sido assassinada na Alemanha. Eu vim para o Brasil com a minha tia e conheci meu pai. Ele também sempre me falava muito de minha mãe, então fui criada nesse ambiente sabendo muito bem quem eles eram, conhecendo a história desde cedo”, relata.

Outro trabalho de Anita Leocádia, uma reunião das correspondências trocadas entre seus pais, também ganhou novas luzes com a liberação dos documentos. “Só vimos agora que houve correspondência que a Gestapo vetou. No livro, publicando em anexo alguns documentos, entre eles essa correspondência inédita entre meu pai e minha mãe”.

Em entrevista à CULT, Anita Prestes revela alguns detalhes sobre o livro e comenta os rumos políticos do Brasil que, segundo ela, ainda precisa “passar pelo caminho da revolução socialista”.

CULT – O que esses documentos da Gestapo dizem de novo sobre o fim da vida de Olga?

Anita Prestes – Até eu ser separada dela, estávamos em uma prisão para mulheres em Berlim. Depois de minha retirada ela é mandada para dois campos de concentração e é assassinada. Isso já se sabia, mas agora há novas informações, muita coisa que nem nós da família, como minha avó e minha tia que acompanharam os acontecimentos de perto, não sabíamos. Não posso entrar em muitos detalhes, mas há muita informação sobre o comportamento dela. A gente sabia que ela era uma mulher de muita coragem, mas são impressionantes os relatos de como ela enfrentava as autoridades nazistas. Há uma frase em que ela diz: “Se houve gente que virou traidora, eu jamais o serei”. Compreende? Nisso ela era totalmente intransigente, jamais entregou qualquer pessoa, recusava-se peremptoriamente a passar qualquer informação – o que, sem dúvida, foi um dos motivos do seu assassinato. O que fica claro é que a Gestapo e as altas autoridades do governo alemão sabiam o que estava sendo feito com ela e foram explícitos em afirmar que ela não poderia ser libertada de maneira alguma, e que deveria ser violentamente castigada. Estavam muito mais preocupados com a atividade dela como comunista do que com o fato dela ser judia. Ela não foi assassinada por ser judia, embora isso pudesse pesar. O fundamental é que ela era comunista, tinha participado das atividades do Comintern e era mulher de Luiz Carlos Prestes.

E são quase dois mil documentos, é um volume grande de informação

E só sobre ela. Os arquivos da Gestapo são gigantescos, tem tudo o que você quiser lá. Mas é interessante que ela é a pessoa que tem o maior volume de documentação. Há documentos sobre todos os partidos comunistas do mundo, sobre a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial, mas só sobre a Olga há cerca de duas mil páginas. A Gestapo dá muita importância à figura dela. Há uma parte bem interessante que são mensagens que vêm de toda a Europa e dos Estados Unidos, inclusive diretamente à Heinrich Himmler [um dos principais líderes do Partido Nazi] e outras autoridades, protestando contra a prisão dela, exigindo sua libertação, exigindo a minha libertação. Houve uma pressão muito grande da chamada “Campanha Prestes”. Se não fosse a pressão política, eu naturalmente iria para um orfanato nazista, onde a criança perdia o nome e virava um número.

Você já pensava em escrever um livro sobre a sua mãe antes de ter contato com esses documentos?

O que de melhor podia ser feito, foi feito pelo Fernando Morais, então eu não ia repetir. Até então não tinha documentação nova que justificasse um novo livro. Agora apareceu e, por isso, eu resolvi fazer esse trabalho importante, um resgate da época, para não só conhecerem Olga e o comportamento dela, mas também saberem o que era a Gestapo, o horror que foi o nazismo. O requinte de maldade e de perversidade que existe é uma coisa impressionante. É importante divulgar até para que não se repita essa história trágica.

Como você, estudiosa e herdeira de um dos maiores comunistas do Brasil, enxerga as movimentações de esquerda do país atualmente?

A esquerda no Brasil está muito ruim. Você vê, há trinta anos, na década de 1980, o meu pai já dizia isso, que não tem esquerda no Brasil, que acabaram os partidos de esquerda e ficaram apenas as pessoas de esquerda. Mas os partidos se desgastaram, se desmoralizaram. Estamos em uma época de retrocesso muito grande. E eu também sigo a opinião dele quando dizia que a mudança vai ser na luta, pois o capitalismo está aí, a exploração está aí, as pessoas estão sentindo na própria carne o que está acontecendo. E aí elas vão começar a lutar, se organizar, procurar caminhos. E o caminho para levar à vitória vai ser o caminho da revolução socialista, não tenho a menor dúvida disso. Mas no Brasil vai demorar um pouco, porque aqui a tradição sempre foi de muita repressão, as classes dominantes impediram o movimento popular de se organizar. Sempre que se tentou qualquer tipo de rebeldia, ela foi esmagada com uma violência muito grande. A gente tem quatro séculos de escravidão, um Império que durou até o final do século passado. O povo foi muito penalizado pelo poderio das suas classes dominantes, senhores de terras e de escravos. A realidade brasileira é muito pesada, muito difícil, então demora um tempo até isso mudar. Mas não sou pessimista. Quem leu O capital de Marx sabe que o capitalismo não tem futuro. Mas sozinho ele não vai cair, tem que haver as forças capazes de derrubá-lo. Provavelmente não vou ver isso nos meus dias, mas não tem importância. Como meu pai dizia, eu só quero colocar um tijolinho nesse processo.

Última atualização em Qui, 06 de Abril de 2017 00:04