A inspiração de Gil, em sua Procissão (1968), certamente continua válida nessa tragédia que vive o semiárido brasileiro hoje, já na segunda década do século XXI. Em determinado trecho da canção, diz Gil: Entra ano, sai ano, e nada vem, meu sertão continua ao Deus dará... A canção de Gil não fala em seca. Em 1968 não houve seca nos sertões nordestinos. Na década de 60 foram poucas e pontuais as estiagens. Portanto, a crônica de Gil se refere, aparentemente, a ausência de políticas públicas permanentes e conseqüentes para o hoje demarcado Semiárido Brasileiro. Existem duas secas nos “sertões nordestinos”, região diversa climatológica e culturalmente falando, historicamente e formalmente delimitada recentemente como a região semiárida brasileira. É importante compreender que a seca é, inicialmente, a falta de chuvas – fenômeno natural, infalível e inevitável. Esse fenômeno ocorre de várias formas e em vários níveis. A chuva ocorre por vezes em grande volume, mas de forma irregular em sua distribuição temporal e espacial, impedindo o desenvolvimento de determinadas culturas, inaptas a esse regime pluviométrico próprio, que em sua irregularidade, não deixa de apresentar certa regularidade. Ou seja, todos os anos, por mais chuvoso que seja, em nosso semiárido, é absolutamente natural haver veranicos (períodos de 20 a 60 dias sem chuvas em plena quadra chuvosa). Esses veranicos, em pleno inverno nordestino não podem ser considerados, ainda, uma seca. Porém, em virtude de uma série de alterações físicas na região, como desmatamentos, uso intensivo dos solos e outras práticas agronômicas, agrícolas e pecuárias danosas ao ecossistema agravaram e acentuaram o processo de secagem das terras, da vegetação e do meio ambiente. Em outras palavras. Hoje, submetido ao mesmo regime pluviométrico de sempre, as terras do semiárido secam mais rapidamente e como conseqüência, os problemas de produção de determinadas culturas como milho e feijão se agravaram, trazendo graves problemas sociais, inclusive nos veranicos, com perdas de lavouras e de todas as safras. Ainda como fenômeno natural é importante entender que há anos em que a precipitação pluviométrica é muito baixa em toda região semiárida. Nesses anos vivenciamos a seca. Quando a estiagem se prolonga sobre a quadra chuvosa. Fenômeno absolutamente conhecido e previsível. Observem que, se o meio ambiente do semiárido, construído historicamente pelo homem em suas relações sociais de produção, encontra-se agredido e desprotegido para os veranicos, mais comuns e frequentes, o fenômeno da seca passa a ser então, o estabelecimento da tragédia anunciada.
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